Com protagonismo de lideranças indígenas, documentário Amazônia, Coração da Mãe Terra adverte para defesa glogal dos povos originários

documentário Amazônia, Coração da Mãe Terra
Foto: Todd Southgate
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A perspectiva de reestruturação de instituições e de políticas públicas em defesa dos povos indígenas reacende esperanças agora com o Ministério dos Povos Originários, capitaneado pela líder do povo Arariboia e ativista Sonya Guajajara.

Esse será o cenário da primeira exibição do documentário Amazônia, Coração da Mãe Terra (2022), codirigido e coproduzido por Gert-Peter Bruch e a princesa Esmeralda da Bélgica, dois importantes ativistas ambientais de grande atuação na proteção desse valioso bioma e de seus povos originários.

Com fotografia exuberante da fauna e flora amazônicas – imagens que dialogam com a impactante trilha sonora composta de música incidental e das chamadas “Canções da Mãe Terra”, a cargo de Clément Garcin e Béatrice Little Bear –, o filme conta com o apoio de um importante parceiro local para sua difusão no Brasil, o Documenta Pantanal,instituição que reúne profissionais de diversas áreas com o desafio de tornar os protetores e as riquezas do Pantanal mais conhecidos do grande público.

“Proteger um bioma é proteger todos os biomas e esse filme é um exemplo de como todos eles estão interligados e como a preservação perpassa o social. O documentário é uma ferramenta importantíssima na batalha pela conservação, essa tem sido a nossa experiência”, defende Mônica Guimarães, diretora-executiva do Documenta Pantanal, também produtora executiva do maior festival de documentários da América latina, o É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.

Amazônia, Coração da Mãe Terra também será exibido em sessão única e gratuita, no Espaço Itaú de Cinema – Augusta, em São Paulo, no dia 29 de abril, com a presença do diretor, lideranças indígenas e da princesa Esmeralda da Bélgica, que após a projeção permanecerão com o público para um bate-papo. A conversa também terá a presença do advogado Orlando Villas-Bôas Filho e de Marina Villas-Bôas, filho e viúva do sertanista Orlando Villas-Bôas. Entre 1963 e 1975, em importante colaboração no Xingu, Marina atuou como enfermeira e foi responsável pelo ambulatório designado para cuidar da saúde dos indígenas, com resultados excepcionais, como zerar os registros de óbito infantil.

 

Décadas de engajamento

Ativista ambiental desde os 17 anos, Gert-Peter Bruch tomou consciência das lutas dos povos originários do Brasil por intermédio da campanha de arrecadação de fundos globais realizada em 1989 pelo cantor britânico Sting, em solidariedade ao cacique Raoni  Metuktire, líder do povo Caiapó, que então somava esforços para que fossem iniciadas as primeiras demarcações de terras indígenas na esteira de direitos recém-adquiridos com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

“Raoni conseguiu, como um imã, chamar pessoas de dentro e de fora do Brasil para uma ação muito importante, ao lado de Sting, que ajudou na demarcação de várias terras indígenas.A grande contribuição de Raoni e de outros que se portam como ele é a divulgação de que eles estão aqui e agora. Eles não são índios históricos. Eles vivem o aqui e agora, e essa ação é um incentivo”, defende, em depoimento registrado no documentário, o indigenista e ex-presidente da FUNAI, Sydney Possuelo.

Jornalista e ativista ambiental, a princesa Esmeralda da Bélgica tem ligação intrínseca com a luta em defesa dos povos originários. Seu pai, o Rei Leopoldo III (1901 – 1983), abdicou do trono e foi um precursor do ambientalismo, destacando-se como um dos mais participativos ativistas em defesa da Amazônia no cenário internacional, a partir de 1964, quando teve o primeiro contato com os Irmãos Villas-Bôas – os sertanistas Cláudio, Orlando e Leonardo – e com o nascente Parque Nacional do Xingu, ao longo de dois meses em que também estabeleceu amizade com o cacique Raoni e se destacou como fotógrafo, legando um inestimável acervo imagético compilado no livro Diário de Viagem – Fotografias do Rei Leopoldo III ao Brasil – 1923-1923, editado pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

“A luta que os irmãos Villas-Bôas desenvolveram ao longo dos anos 1960 foi uma luta muito difícil, e se não houvesse o respaldo de grandes figuras como, por exemplo, a do Rei Leopoldo III, provavelmente eles não tivessem conseguido o êxito que tiveram na manutenção desse grande projeto que foi o Parque Indígena do Xingu”, defende, no filme, Orlando Villas-Boâs Filho.

 

Cosmogonia encantada
Com narrativa poética e protagonismo das mais expressivas lideranças indígenas em atuação no País, Amazônia, Coração da Mãe Terra adverte para a urgência de articulação de esforços globais em defesa dos povos originários e da preservação dos recursos naturais da maior floresta tropical do mundo.

“Graças a Mãe Terra, as folhagens nos protegem e resfriam o chão. Nós respiramos ar puro e repelimos os incêndios. Não é mais o caso de todas essas regiões onde a floresta já foi arrancada. Restam apenas pequenas ilhas de floresta que eles também querem destruir. Eu não gosto disso. Não gosto nada disso”, adverte e lamenta Raoni, em um dos vários depoimentos seus registrados no filme.

A solução para conter a devastação é conhecida há décadas, como reitera o diretor de Amazônia, Coração da Mãe Terra: “O mapa idealizado há 40 anos está exatamente nas áreas protegidas da Amazônia, o resto sumiu. Se você demarcar a terra, estará protegendo a terra; se não fizer isso, perderá a floresta”, diz Bruch.

Para Kretã Kaingang, chefe do povo Kaingang, originário da Mata Atlântica do Paraná, é preciso compreender que as riquezas da floresta não podem ser mensuradas apenas como uma fonte de recursos naturais, mas sim como um terreno sagrado, de caráter espiritual para os nativos que ali vivenciam uma cosmogonia completamente alheia aos valores de quem reside nos grandes centros urbanos.

“Há muitas pessoas que não entendem como funciona a floresta. Tem os seres vivos e os seres espirituais dentro da floresta. Então, para nós, os povos indígenas, ter acesso, entrar nessas florestas, passar e sentir aquela força de espírito dos seres encantados, que nós chamamos, é muito importante. A gente não é nada diferente de nada que tem dentro daquele território e daquela terra. A gente é igual a todos. Então, um tem que respeitar o outro”, afirma  Kretã.

Para Valdelice Veronlíder do povo Guarani-Kaiowá no cerrado de Mato Grosso do Sul, o dia a dia de contemplação de uma rotina encantada dispensa hierarquia sobre a importância de todos os seres vivos da floresta: “Cada bichinho, cada joaninha, cada formiga, começando dos bichinhos pequenos, tem seu papel para nós. E os bichos grandes, como as antas e as capivaras, ajudam a limpar os rios”, explica.

No documentário, essa dimensão mística defendida por Kretãe Valdelice é reverberada em um depoimento de Jojo Mehta, diretora-executiva da Stop Ecocide International, instituição baseada no Reino Unido com atuação em diversos países: “Para as culturas indígenas, a relação com o meio ambiente está muito ligada ao patrimônio cultural e às práticas culturais. O indígena não pensa no mundo natural como uma fonte de recursos, o mundo natural é como um nosso parente”, diz.

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