Indígenas venezuelanos protestam contra plano de ‘superabrigo’ em Boa Vista

Foto: Reprodução Folha de São Paulo
Compartilhe

O plano de unificar três refúgios para indígenas venezuelanos da etnia warao em um só em Roraima, com a transferência de 1.500 deles para um mesmo espaço, está gerando tensão e revolta entre os abrigados. Eles afirmam não terem sido consultados e temem que a mudança traga precarização das condições de moradia. Nesta sexta-feira (12), parte deles deixou os abrigos atuais, como forma de protesto.

Os locais ficam em Boa Vista e são geridos pela Operação Acolhida, força-tarefa humanitária que atende os refugiados venezuelanos no Brasil formada por governo federal, Exército, ONU e entidades parceiras.

O projeto prevê que os ocupantes de três dos abrigos –Pintolândia, Nova Canaã e Tancredo Neves– sejam transferidos para um outro que hoje concentra venezuelanos não indígenas, o Rondon 3, considerado o maior abrigo para refugiados e imigrantes da América Latina. Segundo a Acolhida, inicialmente o local terá capacidade para 1.500 indígenas, com possibilidade de ampliação para 2.000.

Com isso, sobraria apenas um dos quatro abrigos atuais para os waraos, o Jardim Floresta, apontado como “vitrine”. Os demais vêm enfrentando problemas estruturais e sanitários, como esgoto a céu aberto, insegurança e falta de privacidade.

A Operação Acolhida e o Acnur (comissariado da ONU para refugiados) dizem que a mudança está sendo proposta por uma necessidade de melhoria da infraestrutura de atendimento a essa população. Segundo os órgãos, ela trará benefícios como espaço maior, mais acesso a serviços e segurança centralizada.

Mas os indígenas e alguns trabalhadores humanitários que atendem essa população afirmam que o plano visa um corte de recursos e que a concentração de pessoas pode gerar tensões internas e externas –com os venezuelanos não indígenas que vivem nos abrigos vizinhos, Rondon 1 e 2. Eles também temem ser afetados por problemas de violência urbana que afetam a região, como recrutamento de jovens por facções criminosas, tráfico de drogas e prostituição.

Uma das principais reclamações deles é não terem sido consultados previamente sobre a questão, como prevê a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), referente aos direitos de povos indígenas e tribais.

O aviso oficial só foi feito nesta quinta (11), em uma reunião tensa entre os waraos e representantes do Acnur e da Acolhida –após semanas de boatos. Um funcionário, que falou à reportagem sob a condição de não ser identificado, disse que ele e os colegas estavam sendo orientados a dizer que não sabiam de nada, caso questionados sobre o assunto pelos indígenas.

O aidamo (cacique) Avigail Reinosa, 36, disse que o Acnur só mostrou o projeto de reestruturação, sem pedir a opinião dos waraos. Ele afirma que o Rondon 3 não possui árvores e tem incidência direta de sol durante todo o dia, com barracas que são muito quentes.

Reinosa também menciona a violência do bairro 13 de Setembro, onde fica o abrigo. “A zona é dominada por facção criminosa, circulam drogas, armas, tem prostituição. Nossa população vai ficar muito vulnerável”, afirma, acrescentando que a experiência ocorreu no início da operação e se mostrou problemática.

Alguns refugiados venezuelanos já foram vítimas de crimes na região. Em agosto deste ano, o warao Junior José Zambrano Camacho, 28, foi morto uma semana depois de ter sido transferido para um refúgio de não indígenas. Ele foi encontrado com pés e mãos amarrados e sinais de tortura.

Primo de Camacho, o aidamo Nail José Fuentes, 32, é responsável pela comunidade no abrigo Tancredo Neves. “Não esperamos ter uma relação muito boa com os jotarao [venezuelanos não indígenas]. Tem pessoas más que se aproveitam da nossa situação e querem nos obrigar a fazer serviços sujos, nos ameaçando.”

A reportagem presenciou quando funcionários abordaram indígenas que protestavam na frente do Tancredo Neves. Eles dizem que as famílias que saíram de lá já pretendiam deixar o local desde a semana passada e que a decisão não tem a ver com o plano de unificação.

À reportagem a Operação Acolhida afirmou que não há previsão para o início da reestruturação e que o Rondon 3 deve passar por adaptações, com área para artesanato, espaços de sombra, cozinhas tradicionais, parque infantil e área verde para plantas medicinais e cultivos tradicionais. “O processo de realocação durante a reestruturação é gradual e voluntário”, diz o comunicado.

O Acnur respondeu que a realocação visa aprimorar os serviços oferecidos e “buscar maior alinhamento com os padrões internacionais de resposta humanitária emergencial” e começará somente após uma “ampla consulta” à comunidade indígena abrigada.

Segundo a agência, a maior privacidade das tendas deve reduzir conflitos internos, e a proximidade de outros refúgios possibilitará entrega mais eficiente de serviços aos indígenas. Sobre a violência no bairro, o Acnur afirma que os abrigos são protegidos por militares e serviços terceirizados, com portaria e segurança 24 horas, e que a centralização aumentará a proteção em relação à situação atual.

O órgão disse ainda que não houve corte de recursos para a operação em 2021 –o orçamento do ano que vem ainda não foi fechado. A União, porém, vem reduzindo a verba destinada à Acolhida: de R$ 280 milhões em 2020, o valor caiu para R$ 90 milhões neste ano. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, chegou a dizer que a verba atual só permitia manter as ações até o fim de julho e pediu mais R$ 178,9 milhões ao governo.

Nesta semana, uma comissão do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) que fazia uma visita a Roraima recebeu uma carta de uma liderança warao explicando sua oposição à unificação dos refúgios.

O presidente do CNDH, Yuri Costa, afirma que o conselho “vê com muito cuidado” a diretriz de concentrar os refugiados e que vai acompanhar para verificar se esse sistema produzirá violação de direitos humanos. “O que mais preocupa a gente é o abrigamento indígena. Houve visivelmente uma resistência dos indígenas, que estão reclamando que não estão tendo o processo de consulta prévia respeitado. O conselho acha que essa consulta deve ser feita.”

 

 

Folhapress*

Voce pode gostar também!

Conheça meus serviços

É um serviço especializado realizado por mim Jornalista Marcela Rosa , especialista em telejornalismo e produção de vídeos e textos para vídeos e TV, Na minha mentoria on line eu vou te orientar de forma individualizada nos seus trabalhos de vídeo ou ainda de textos para TV ou internet.

Saiba mais

Nas Redes Sociais, como jornalista,eu atuo de uma forma diferenciada. Na verdade, uso a minha imagem e o meu texto (fala) como “referência” digital para produtos e serviços que coadunam com meu perfil de mulher adulta, mãe e profissional da comunicação.

Saiba mais

O Cerimonial de uma jornalista busca sempre aliar competência e credibilidade com a imagem e a voz que vão representar empresas e organizações.

Saiba mais

O meu maior Knowhow é sem dúvida a produção, redação e apresentação de vídeos jornalísticos. E todo este conhecimento é reproduzido nas propostas institucionais.

Saiba mais