Hoje cerca de 300 pessoas vivem bairro de São Mateus. Wendy Herrera é uma delas. Design de moda na Venezuela, ela chegou ao Brasil em 2020. E de travessia em travessia, foi viver em Veneza City. “Eu não sei porque um dia eu falei assim: eu vou morar em São Mateus. Meu marido falou: você é louca? Eu falei: bom, não sei o porquê, mas eu sinto uma vibração boa de lá. Eu falei para o meu marido: eu sinto uma energia boa de lá. E aí eu vim para cá e consegui um barraco.”
A área onde foi estabelecida Veneza City é uma área pública e hoje está em disputa judicial.
Além de Carmen e Wendy, o Brasil já acolheu outros milhares de venezuelanos nos últimos anos. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, de janeiro de 2017 a janeiro de 2022 chegaram 689.694 venezuelanos ao Brasil. E muitos deles vêm para ficar, como explica Paulo Illes, coordenador de relações institucionais do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante, o CDHIC. “Eu costumo dizer que uma boa prática migratória é a política que reduz ao máximo o tempo de permanência dessas pessoas no abrigamento. Porque o imigrante ele não vem para São Paulo, não vem ao Brasil, para ficar em abrigo. Ele vem porque quer trabalhar, juntar dinheiro e ajudar a família.”
É neste momento que o imigrante esbarra na falta de política pública voltada para a moradia definitiva, como esclarece Carla Aguilar, assistente social e gerente do Centro de Apoio e Pastoral do Migrante, o CAMI. “Aí você fala assim: ah, mas não tem nem para os brasileiros. Então deveria funcionar para todos, como diz o Artigo 5º da Constituição. Todos nós deveríamos ter moradia digna independente da nacionalidade. E essas pessoas têm muitas dificuldades em conseguir alugar um lugar porque ela não tem todos os documentos que eles pedem. Não tem fiador, não tem rede de apoio.”, afirma Carla.
Sem perspectivas, muitos imigrantes acabam indo morar nas periferias dos grandes centros ou em ocupações irregulares. Este é o caso das famílias que vivem no centro da capital paulista, na ocupação Jean Jacques Dessalines. O dominicano Cleef Dante vive sozinho em um dos cômodos improvisados. Ele define o lugar onde vive como “um lugar onde moram várias pessoas que estão em uma condição escassa e que não podem pagar aluguel. E a gente aprende a conviver com os outros, mas não é fácil.” O edifício é uma propriedade particular e uma reintegração de posse foi pedida pelo proprietário à justiça. As dívidas do imóvel com IPTU não pago à prefeitura de São Paulo chegam a quase 400 mil reais.
Se políticas públicas voltadas para a moradia ainda são um desafio, a prefeitura de Araraquara decidiu instituir uma lei voltada para o imigrante. E uma das inovações propostas é extinguir o prazo para a concessão do aluguel social. Hoje uma pessoa, imigrante ou não, precisa comprovar que vive a pelo menos dois anos no município onde está solicitando o benefício. Em Araraquara é diferente. “O imigrante quando ele chega no município, ele já chega em estado de vulnerabilidade social. Então imagine ele ter que aguardar dois anos para poder usufruir desta política social. Então nessa legislação a gente tira esse tempo, essa barreira temporal, para que o imigrante, na hora que chega no nosso município, a gente consiga de fato acolher”, explica Renata Fatah, Coordenadora de Direitos Humanos da prefeitura de Araraquara.
O sírio Jadallah Al Sabah foi um dos beneficiados do aluguel social em Araraquara. O chef de cozinha conta que o programa social foi essencial para que ele pudesse se estruturar no Brasil e trazer a família. “Agora eu consigo pagar meu aluguel. Tenho trabalho e está tudo certinho”, afirma.
A história de Jadallah e de outros imigrantes faz parte do episódio “Um lar além das fronteiras” do programa Caminhos da Reportagem que vai ao ar nesta segunda-feira, dia 09 de dezembro, às 23 horas.