Cientistas avançam em pesquisas para rastreamento e tratamento do HIV

Foto: Reprodução
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A Aids é uma doença que surge quando o HIV se multiplica sem controle e enfraquece o sistema de defesa da pessoa infectada. Medicamentos conseguem frear a replicação do vírus e, dessa forma, impedir danos severos à saúde dos pacientes. Apesar dessa grande conquista médica, existem alguns empecilhos no tratamento da enfermidade. Por exemplo, muitos pacientes não respondem tão bem ao antirretrovirais e há pequenos reservatórios do agente infeccioso que permanecem no organismo mesmo quando os remédios estão funcionando. Por isso, pesquisadores em diversas partes do mundo buscam abordagens mais eficazes. O uso da fototerapia, a nanotecnologia e a identificação de biomarcadores são ferramentas investigadas (veja arte) que, para cientistas envolvidos e especialistas da área, poderão resultar em melhores opções terapêuticas.

O coquetel de medicamentos atualmente prescrito não extingue o agente infeccioso. Por isso, pacientes que tomam os antirretrovirais apresentam pequenas quantidades do HIV que ficam escondidas no corpo. Especialistas australianos buscam uma forma de eliminar esses repositórios. “Os santuários do HIV podem entrar em um estado de dormência, em que não agridem o paciente, mas existe a possibilidade de eles se reativarem. Queremos atingir esse alvo, principalmente o patógeno que está escondido no cérebro, um local que é particularmente difícil de acessar devido à barreira hematoencefálica”, detalha, em comunicado, Kevin Morris, um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Queensland.

O pesquisador e sua equipe desenvolveram uma abordagem que utiliza uma ferramenta criada com base na nanotecnologia: os exossomos, nanopartículas que podem ser facilmente absorvidas por células. Elas são usadas para aplicar uma nova proteína recombinante anti-HIV, a ZPAMt, em estruturas infectadas. A proteína ZPAMt foi projetada para se ligar a uma região do vírus chamada LTR, que é crítica para a sua replicação. “A ZPAMt muda a forma como a informação genética do HIV é expressa, tornando o vírus incapaz de se dividir e se multiplicar, além de conseguir cruzar a barreira hematoencefálica e entrar no cérebro”, detalham os autores do artigo.

Em testes com ratos, o tratamento gerou resultados positivos, com as cobaias infectadas pelo HIV e submetidas ao tratamento experimental mostrando supressão da expressão do HIV na medula óssea, no baço e no cérebro. “Esses resultados demonstram o potencial da engenharia de moléculas. Com esse tipo de técnica, conseguiremos fornecer terapias capazes de silenciar a expressão do HIV em locais antes inalcançáveis”, comemora Jeymohan Joseph, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde (NIH, em inglês), dos Estados Unidos, e participante do grupo de pesquisa.

Segundo Fabíola Setúbal, infectologista do Hospital Santa Marta, em Brasília, essa estratégia tem sido explorada por outros pesquisadores, que também têm atingido resultados promissores em experimentos com animais. “Essa tecnologia, além de trazer esperança para o tratamento do HIV, pode se tornar uma nova plataforma de pesquisa com um amplo espectro de aplicações, como no tratamento de câncer e de outras infecções severas”.

A equipe australiana aposta no uso contra complicações neurológicas. “Esse é um método de entrega de medicamentos em locais de difícil acesso que poderá ser explorado no tratamento de várias outras doenças do cérebro, como Parkinson e Alzheimer”, afirma Morris. Quanto ao combate ao HIV, a especialista brasileira enfatiza, também, a possibilidade de surgimento de vacinas. “Há a expectativa de que elas serão capazes de estimular a produção de anticorpos protetores contra o vírus e até mesmo de alcançar a cura”, relata.

Equipe brasileira
Também focada em agir nos reservatórios do vírus, a fototerapia tem sido testada por cientistas brasileiros. “Nessa pesquisa, abordamos dois aspectos importantes quando pensamos em uma nova terapia eficaz contra o vírus: o combate às células de defesa infectadas pelo HIV que persistem por décadas em pacientes que recebem antirretroviral e o aumento alarmante do vírus, que se torna resistente aos medicamentos”, declara, ao Jornal da USP, Francisco Eduardo Gontijo Guimarães, coordenador da pesquisa e pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo.

A equipe criou um anticorpo com moléculas sensíveis à luz que consegue se ligar ao HIV e às células infectadas presentes no sangue. Por meio de uma iluminação específica, a fototerapia, direcionada a esse anticorpo, é possível destruir o vírus. A técnica foi testada em laboratório, com células humanas infectadas pelo HIV, e resultou na destruição total do patógeno. “Vimos que os anticorpos com moléculas fotossensibilizadoras podem destruir as cepas virais, provavelmente gerando danos físicos no envelope (superfície) do HIV”, relata Guimarães.

Os investigadores enfatizam que mais testes precisam ser conduzidos, mas há a aposta de que a nova abordagem seja usada em conjunto com a terapia padrão. “A nossa técnica é potencialmente menos tóxica que os antirretrovirais e pode adicionar mais potencial ao controle ao HIV”, afirma o coordenador.

Claudia França Cavalcanti Valente, membro do Departamento Científico de Imunização da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), avalia que o estudo é bastante inicial, mas acredita que o uso de tecnologias para refinar o tratamento anti-HIV poderá render muitos frutos. “A medicina evoluiu bastante para tratar enfermidades relacionadas a bactérias e, agora, estamos observando o mesmo tipo de avanço para terapias voltadas ao combate dos vírus”, justifica. “Patógenos sempre foram mais difíceis de tratar, porque são mais complexos, mas, atualmente, estamos contando com esses avanços tecnológicos que podem fazer a diferença.”

A imunologista acredita que os próximos avanços no combate ao HIV estarão voltados para os reservatórios latentes. “O investimento nessa área deve aumentar. O uso de anticorpos, com certeza, é algo que será cada vez mais explorado. Outro ponto que vale a pena ficar de olho é o uso de moléculas encontradas na natureza ou em animais que mostram potencial para o combate dos vírus. Com elas, pode-se desenvolver novas drogas.”

“Há a expectativa de que elas (vacinas) serão capazes de estimular a produção de anticorpos protetores contra o vírus e até mesmo de alcançar a cura<br>”
Fabíola Setúbal, infectologista do Hospital Santa Marta, em Brasília

Um calcanhar de Aquiles
Pesquisadores americanos descobriram um gene, presente em ratos e macacos, que consegue combater a ação do HIV e do ebola. Nomeado de retroCHMP3, o novo gene mostrou, em testes laboratoriais, que consegue interromper a ação de uma proteína-chave desses vírus. Essa interferência impede que os patógenos saiam de uma célula infectada para infectar outras. A descoberta — inesperada, segundo Nels Elde, geneticista evolucionista da Universidade de Utah — poderá ser usada no desenvolvimento de novos antirretrovirais. “Estamos entusiasmados com o trabalho, pois acreditamos que encontramos um calcanhar de Aquiles do HIV e do ebola e queremos explorar essa nova via de ataque”, enfatiza.

Biomarcadores da cura funcional
Durante o tratamento, alguns pacientes infectados pelo HIV demonstram a remissão total do vírus, um estágio definido como cura funcional. “Essa condição é extremamente rara e, por isso, tem sido bastante estudada. Isso porque ela pode nos fornecer informações muito importantes sobre o comportamento do vírus”, enfatiza, em comunicado, Mohamed Abdel-Mohsen, professor-assistente do Instituto Wistar de Vacinas e Imunoterapia, nos Estados Unidos.

Abdel-Mohsen e colegas investigam esse campo. Eles avaliaram pacientes com cura funcional em busca de biomarcadores, substâncias presentes no sangue que pudessem apontar essa mudança no organismo. Um grupo de 98 indivíduos tratados com antirretroviral participou da pequisa. Eles haviam suspendido o uso dos medicamentos devido à remissão do vírus e não demonstravam a volta do patógeno.

Por meio do monitoramento das amostras sanguíneas, os cientistas avaliaram uma série de metabólitos e glicoproteínas e, com o auxílio de algoritmos refinados, conseguiram identificar quais dessas moléculas estavam relacionadas à remissão do HIV com uma taxa de 95% de precisão.

Para o grupo, os biomarcadores identificados poderão ser extremamente úteis no desenvolvimento de novas terapias. “Analisando o sangue desses indivíduos, identificamos assinaturas biológicas muito promissoras. Acreditamos que essas moléculas podem acelerar futuros testes e tratamentos de HIV para se chegar a essa cura funcional mais rápido. Também poderão nos ajudar a manter essa condição estável, sem o retorno do vírus”, afirma Abdel-Mohsen.

 

 

 

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