Uma noite para entrar na história com uma sessão tripla de trabalhos exaltando o cinema de resistência, de guerrilha, das minorias. Uma noite para exaltar e engrandecer o cinema negro. “Viva o povo negro!”, gritava alguém da plateia do Cine Brasília vez ou outra, neste que foi o terceiro dia da 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (FBCB). Realizado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec), com a organização da sociedade civil Amigos do Futuro, o evento vem, ao longo dessa semana, consolidando a importância da cultura e da produção audiovisual como plataforma de expressão e de democracia.
Representando a Paraíba, o primeiro curta da Mostra Competitiva nesta quarta-feira (16/11), Calunga Maior, recorre a contos africanos para construir uma narrativa em que tempo, vida e morte se somam à exaltação do corpo negro para ganhar a tela por meio de signos coloridos. Trata-se de um olhar lírico e místico sobre essa leitura de uma cultura que atravessou o Atlântico e hoje permeia o imaginário brasileiro por meio da religião, dos cantos, da culinária, entre outros tantos aspectos do cotidiano. “Calunga Maior é um filme espiritual”, resumiu o diretor Thiago Costa.
Até agora o mais experimental dos filmes exibidos na mostra competitiva do FBCB, o fascinante Sethico do pernambucano Wagner Montenegro “é um projeto sobre a destruição do mundo, marcado pela morte e desigualdade social”, como bem destacou o diretor. Hipnótico, o filme conduz o espectador por uma narrativa sensorial norteada por batidas de tambores contagiantes e provocações em forma de mensagens, que mostram a conflituosa relação entre trabalhadores e patrão, a herança colonial e o abismo entre brancos e negros. “Na pandemia, 72% das pessoas que morreram de Covid-19 eram pardas e pretas”, lembra um dos avisos do filme.
Segundo longa-metragem do Distrito Federal a ser exibido na Competitiva do Festival de Brasília, Rumo, da dupla Bruno Victor e Marcus Azevedo, traça três linhas narrativas que se cruzam para falar sobre o sistema de cotas raciais na Universidade de Brasília (UnB) e o racismo estrutural vigente por trás dessa política pública. O filme conta com depoimentos fortes, viscerais e pertinentes, que mexeram com a plateia, que aplaudiu o filme de pé, ao final da sessão.
Mas mesmo antes da exibição, durante o discurso de apresentação da obra, que contou com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC) para sua realização, a produtora executiva Bethania Maia já tinha empolgado a plateia com palavras inflamadas. “Estou feliz por ver todos esses corpos aqui, a gente sabe fazer cinema de guerrilha. Mas o cinema negro agora quer trabalhar com dignidade”, disse, agradecendo o incentivo do FAC. “Independente dos governos vigentes, é importante que as políticas públicas sejam fortalecidas para que a gente consiga contar histórias e possa fazer arte”, continuou.
A experiência do Festival de Brasília também vem sendo sentida em Samambaia e Planaltina, que contam com exibições de todos os filmes da Mostra Competitiva, em sessões gratuitas promovidas diariamente, sempre às 20h. A ação é parte do projeto de descentralização do FBCB, que pretende oferecer o melhor da produção audiovisual nacional para a população do DF.
Assim, ao mesmo tempo em que os três filmes rodavam no Cine Brasília, o Complexo Cultural de Samambaia e o Complexo Cultural de Planaltina, todos equipamentos culturais geridos pela Secec, também recebiam o público para as exibições das películas. Morador de Samambaia, Miguel Medina foi um dos espectadores presentes na sessão dessa quarta-feira (16). Entusiasta da sétima arte, ele não perdeu tempo e tem se programado para conferir a programação gratuita de filmes. “Para quem não tem carro, por exemplo, ter que sair de Samambaia e ir ao Plano Piloto, ainda mais à noite, é algo incerto. Então essa descentralização é fundamental e torna o cinema acessível para todos”, conta ele, que faz planos para ir ao Cine Brasília no próximo domingo, ver de perto o encerramento do Festival dos Festivais.