Em 1999, a pesquisadora Socorro Ferreira começou a registrar as características das novas árvores que cresciam em áreas que haviam sido desmatadas na região amazônica perto da cidade de Bragança, no nordeste do Pará.
Com ajuda de outros especialistas, a pesquisadora mediu o diâmetro das árvores e sua altura. O objetivo era avaliar a dinâmica da floresta que crescia no lugar da floresta original, chamada de “floresta secundária”. Sua habilidade de reter carbono da atmosfera é tida como uma de suas maiores contribuições para mitigar as mudanças climáticas.
Quase duas décadas depois, quando a floresta secundária completava 60 anos sem ser derrubada, essas mesmas árvores foram revisitadas. O biólogo Fernando Elias, especialista em ecologia, e outros pesquisadores do Brasil e do Reino Unido deram continuidade à pesquisa de Socorro, fazendo inventários da vegetação nas mesmas áreas.
Em 18 anos, até 2017, foram feitos dez censos de três hectares dessas florestas secundárias, acompanhando o nascimento, crescimento e morte de árvores, riqueza das espécies, quantidade de carbono retido, período de chuvas, entre outros. Socorro conduziu sua pesquisa com apoio da Embrapa; já o estudo de Elias faz parte de seu doutorado na Universidade Federal do Pará. A pesquisa foi publicada em dezembro de 2019 no periódico da Ecological Society of America.
Ao fazer isso, descobriram algo inesperado: naquela região na Amazônia, as novas árvores não haviam crescido tanto quanto pesquisas anteriores sobre florestas secundárias haviam previsto. Isso significa que a capacidade de novas florestas de ajudar no combate às mudanças climáticas não é tão grande quanto se havia imaginado, ou que demora muito mais para elas chegarem aos pés da contribuição feita pelas florestas primárias.
Segundo o estudo, mesmo depois de 60 anos de crescimento, as florestas secundárias estudadas armazenavam apenas 41% do carbono que as florestas que não haviam tido interferência humana e 56% de sua diversidade arbórea. Se essa tendência continuar, levará 150 anos para as florestas secundárias estocarem a mesma quantidade de carbono que florestas primárias ao lado estocam.
Essa conclusão se refere especificamente à área Bragantina, região leste do Pará. Ali, há um predomínio de floresta secundária associada a um desmatamento bastante antigo. Há mais de dois séculos, florestas ali foram desmatadas no processo de colonização e com aberturas de estradas. Outros cortes foram feitos por agricultores para fazer pastagens.
O município de Bragança, por exemplo, perdeu 90,2% de suas áreas de mangue e de floresta nativa, com áreas sendo queimadas diversas vezes e com pouco intervalo de tempo, segundo o estudo.
Os agricultores tradicionais, que não usam maquinário nem adubo, diz Socorro, queimam a floresta, fazem a roça e, quando o solo esgota e fica pobre, deixam a vegetação natural crescer para a terra descansar.
Mas agora “as florestas estão sendo derrubadas cada vez mais e com menos tempo de descanso”, afirma. “Antigamente, uma família derrubava uma floresta e passava 20 anos para usar essa mesma área. Agora não, devido à expansão demográfica, agricultores familiares ficam com cada vez menos terra, tendo a necessidade de fazer a roça, a cada 2, 3 anos”, diz Socorro.
A região também sofre com o impacto de secas, agravadas pelo fenômeno El Niño que, por sua vez, tem sido agravado por causa das mudanças climáticas.
O fato de já não haver florestas nativas também atrapalha o crescimento das secundárias. “As florestas primárias por perto servem como banco de sementes para as áreas. Animais carregam as sementes e vão fazendo uma disseminação natural em florestas abertas e secundárias”, diz Socorro. Quando elas não existem, as secundárias ficam sem esse banco de abastecimento.
Para os pesquisadores, essas são as causas principais do processo lento no reflorestamento dessa área na Amazônia.
“Em paisagens fragmentadas e desprovidas de florestas primárias e com solo degradado, como na região Bragantina, a recuperação é muito mais lenta do que se imaginava”, diz Elias. “Essa região foi a primeira região de colonização da Amazônia. O solo já está em uma situação pobre em nutrientes, as propriedades se perderam, e o solo passou por vários ciclos de uso. A regeneração nessas áreas acontece de forma devagar.”
E isso, de acordo com ele, pode valer para o resto da floresta amazônica no futuro, caso a vegetação nativa continue sendo desmatada como é agora.
“Considerado o cenário atual da Amazônia, com desmatamento aumentando, e considerando que os eventos de seca severa estão cada vez mais frequentes, nós podemos inferir que as florestas da Amazônia inteira poderão ter esse tipo de comportamento a médio ou longo prazo”, afirma. “É um alerta que fazemos à sociedade. Todas as áreas da Amazônia podem virar a região Bragantina.”
Ou seja, o desmatamento e as mudanças climáticas impactam o crescimento de novas florestas que poderiam justamente combater as mudanças climáticas — um perigoso ciclo consequência da interferência humana na natureza.
Criança e adulto
Uma floresta primária — de árvores gigantes, centenárias, de troncos enormes — pode ter até 200 toneladas de carbono armazenado por hectare, segundo Joice Ferreira, uma das coordenadoras do estudo da Embrapa Amazônia Oriental e professora da Universidade Federal do Pará.
E uma floresta secundária, com vegetação mais “fininha, mais tenra”, vai ter muito menos carbono aprisionado nela, dependendo do porte e da idade que tem, explica ela. Uma floresta é considerada “secundária” se cresceu no lugar de uma que foi completamente derrubada.
Para quem não estuda isso, fica difícil perceber a diferença entre florestas primárias e secundárias apenas olhando. Mas Elias conta que ele consegue ver “batendo o olho” — por causa da estrutura e tamanho das árvores, por exemplo, considerando sua altura e grossura da circunferência. “Geralmente, não há árvores grandes de 40, 50 metros de altura em uma floresta secundária. Também tem maior entrada de luz no solo. O chão da floresta primária é sombreado, enquanto da secundária não é.”
Só que a vegetação da floresta secundária é como uma criança, compara Ferreira, porque tem um desenvolvimento muito rápido. “Há espécies que têm uma estratégia de crescimento rápido. E isso faz parte do processo de sucessão. Primeiro vêm plantas que crescem muito rápido, que produzem muitas sementes. São plantas mais rústicas para suportar aquele ambiente, aguentar mais calor, o solo seco.”
Por causa de seu crescimento rápido, essas plantas absorvem mais carbono durante seu crescimento. “A floresta secundária é mais eficiente em fazer isso do que a floresta primária”, diz Elias. “As espécies em florestas secundárias crescem mais rápido e, ao crescer mais rápido, acumulam mais carbono. Essas espécies são comilonas. Elas usam o carbono para crescer e reproduzir.”
Não que florestas secundárias sejam melhores para o meio ambiente que florestas primárias. Como explicou Ferreira, florestas primárias são mais antigas, robustas, e armazenam muito mais carbono. A diferença é a velocidade das espécies de florestas secundárias, que, como uma criança, “espicham”.
“Florestas primárias são o ideal”, observa Elias. Ele diz que elas são fontes de espécies para potencializar recuperação nas áreas próximas, fonte de material genético, controlam o clima local e mitigam mudanças climáticas pelo acúmulo de carbono. Florestas tropicais removem em torno de 30% do carbono introduzido na atmosfera por ações antrópicas, diz.
“Só que vivemos num mundo que não segue esse ideal. Partindo do pressuposto que não existem mais florestas primárias, a melhor forma seria ter florestas secundárias”, afirma.
O pesquisador explica que as previsões de outras pesquisas era que essas florestas crescem 11 vezes mais rápido que as primárias. “Mas esse é o grande problema: no nosso trabalho, encontramos apenas que as florestas secundárias da nossa região cresceram 2 vezes mais rápido que as primárias.”
A ideia é que, com o tempo, as florestas secundárias fiquem cada vez mais parecidas com as primárias.
Devagar, aquele ambiente vai gerar certa sombra, os pássaros vão levar mais sementes. A floresta vai passar por etapas e a vegetação secundária vai criando um corpo de floresta. “À medida que vai progredindo em direção ao que é mais próximo da floresta primária, vai acumulando carbono, inclusive no solo”, diz Ferreira. “Aquelas espécies iniciais que precisam de sol vão morrendo e sendo substituídas por aquelas que precisam de sombra. Em 70, 100 anos, a tendência é parecer com a floresta primária.”
E aí, diz ela, entramos na seara das “eternas perguntas”: “Será que um dia ela vai ser igual a uma floresta primária?”
Solução
Com a descoberta de que a ação humana e as mudanças climáticas (também causadas pela ação humana) impactam o reflorestamento da Amazônia e consequentemente sua habilidade de voltar a reter o mesmo carbono que retia, é preciso, dizem os cientistas, agir rapidamente.
O primeiro passo é zerar o desmatamento, diz Elias.
Em segundo lugar, é preciso “investir em ações de recuperação ativa”. Isso significa acelerar o processo de reflorestamento por meio de técnicas como plantar mudas, semear sementes — o trabalho que animais fariam, acelerando o processo de dispersão, trazendo sementes de uma floresta primária para uma secundária.
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