A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) instaurou Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (Padac) a fim de investigar possíveis violações aos direitos fundamentais dos Yanomami nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, onde foram identificadas irregularidades no atendimento à saúde para as comunidades Yanomami do Estado, além da falta de acesso a registro civil.
Dados levantados pela Defensoria mostram que entre setembro de 2021 e fevereiro de 2022 foram registrados 49 óbitos de crianças hospitalizadas no Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira (HGU SGC). Não há dados precisos sobre quantas delas eram indígenas, porque muitas não têm registro de nascimento. Mas, de acordo com o hospital, os yanomamis e os barés são os grupos étnicos que mais demandam atendimentos de internações na unidade.
Ainda de acordo com informações colhidas pela Defensoria junto ao HGU SGC, em 2022 foram hospitalizadas 202 crianças, sendo 91 yanomamis. Das 35 remoções aéreas de pacientes crianças, 10 eram yanomamis.
O número de óbitos de crianças em 2022, segundo o hospital, totaliza até agora 18, não sendo possível apurar quantos destes são de crianças Yanomami, uma vez que na declaração de óbito consta somente informação de raça e cor.
As patologias mais comuns que têm demandado internações de crianças, notadamente do povo Yanomami, são pneumonia e desnutrição, confirma o hospital.
Somente no dia 17 de fevereiro de 2022, quatro crianças Yanomami com menos de 2 anos de idade foram resgatadas e hospitalizadas no HGU com quadros de diarreia associada à desidratação e desnutrição, quadro este que, segundo as defensoras públicas do Polo do Alto Rio Negro, tem sido recorrente.
Gerido pelo Exército Brasileiro, o Hospital de Guarnição é a única unidade de saúde para atendimento inicial de média complexidade em São Gabriel da Cachoeira e já se encontra em situação notória de limitação da capacidade de atendimento, segundo a DPE-AM. Em cinco meses, foram realizadas 40 transferências de crianças por Unidade de Terapia Intensiva aérea de São Gabriel da Cachoeira para Manaus.
Sem acesso a atendimento de saúde próximo às aldeias e enfrentando carências como insegurança alimentar, muitas crianças chegam às sedes dos municípios já com quadros graves de doenças, desnutrição e desidratação.
“As pessoas tendem a associar os Yanomami apenas ao Estado de Roraima, mas eles estão também no Amazonas. Existe o problema do garimpo, muitos que chegam doentes às cidades vêm de comunidades com presença de garimpeiros, mas existe também uma desassistência histórica, ausência do Estado, Funai [Fundação Nacional do Índio] desestruturada, saúde indígena precária, com o órgão que atende os Yanomami sediado em Roraima. Em São Gabriel da Cachoeira há apenas uma equipe administrativa, poucas pessoas”, explica a defensora pública Isabela Sales, coordenadora do Polo do Alto Rio Negro.
A defensora acrescenta: “O que mais nos preocupa é o alto número de crianças em estado grave. Muitos já chegam para intubação. Desesperador. É comum a gente ter que pedir para SES [Secretaria de Estado da Saúde] enviar UTI aérea para abrir leito, porque descem até cinco crianças de uma vez. Se não esvazia leito, eles têm que improvisar o atendimento dessas crianças”.