A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/RR) anulou a justa causa aplicada a uma empregada doméstica de Manaus, demitida sob a acusação não comprovada de ser a autora de furto ocorrido no apartamento da irmã de sua empregadora, a quem costumava prestar serviço como diarista nos dias de folga.
Consta dos autos que a ex-patroa da doméstica é investigadora da Polícia Civil e a conduziu à delegacia, sob a acusação de furto de joias, bolsas e perfumes no apartamento de sua irmã. A autoria do crime ainda não foi comprovada e o processo criminal contra a trabalhadora encontra-se em tramitação no Tribunal de Justiça do Amazonas.
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No julgamento de 1º grau, o processo havia sido extinto sem resolução de mérito com base no entendimento de que seria necessário aguardar o desfecho da ação criminal para análise dos pedidos da ação trabalhista.
Em grau de recurso, entretanto, os desembargadores tiveram outro entendimento e consideraram que estão presentes nos autos todos os pressupostos para julgamento do mérito da causa. O colegiado acompanhou, por unanimidade, o voto da desembargadora relatora Valdenyra Farias Thomé e deu provimento parcial ao recurso da reclamante para reformar a sentença.
Conforme a decisão da Justiça do Trabalho, a reclamada vai pagar à ex-funcionária todas as verbas rescisórias relativas à dispensa imotivada e R$ 5 mil de indenização por danos morais. A decisão já transitou em julgado, ou seja, não pode mais ser modificada.
Ação
Na ação trabalhista ajuizada em junho de 2018, a reclamante afirmou que sempre manteve conduta exemplar durante mais de sete anos de vínculo empregatício com a reclamada, período em que nunca foi advertida ou suspensa, cumprindo regularmente seus horários e suas atividades. Salientou que antes desse contrato, trabalhou como doméstica na casa da mãe de sua ex-patroa, onde também nunca se comportou de forma inadequada.
Ela alegou que foi surpreendida pela acusação leviana e sem provas de um furto no apartamento, onde realizou a faxina. Narrou, ainda, que a proprietária do imóvel estava viajando em férias no dia em que prestou o serviço e quando retornou a Manaus alegou ter constatado o sumiço de joias, bolsas e perfumes.
Sustentou, por fim, que a patroa sabia que ela tinha recebido recentemente uma indenização por motivo de falecimento de seu filho e, além de acusá-la do crime, a coagiu a pagar o suposto prejuízo de R$ 5 mil, sob ameaça de prisão.
Em decorrência dos fatos narrados, ela requereu a reversão da justa causa, o pagamento das verbas rescisórias, indenização por dano moral e devolução do valor pago a título de dano material.
Tipificação da justa causa
Os desembargadores que compõem a Primeira Turma do TRT11 entenderam que a reclamada se utilizou de fundamento inapropriado para rescindir o contrato de trabalho com sua empregada doméstica. Na sessão de julgamento, a relatora explicou que o Judiciário estaria inovando na seara legislativa ao criar nova hipótese de rescisão por justa causa se chancelasse o ato da reclamada.
Ou seja, o processo criminal em andamento não é motivo apto a ensejar a justa causa do contrato existente entre as partes, pois se destina a analisar a autoria e materialidade de fato delitivo praticado contra a irmã da reclamada, que não é parte na relação empregatícia.
O art. 482 da CLT tipifica quais as faltas graves que motivam a demissão por justa causa. Uma das possibilidades é a condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena, mas a relatora salientou que o caso em exame não se enquadra na previsão legal.
Dano moral
Em seu recurso, a trabalhadora insistiu no pedido de indenização por dano moral alegando que a reclamada cometeu ato ilícito ao lhe imputar sem provas a autoria de um crime, o que causou danos à sua imagem e à sua honra.
No julgamento do recurso, a desembargadora Valdenyra Farias Thomé acolheu os argumentos apresentados. “A conduta da reclamada vai além, chegando ao ponto que toca o abuso no exercício do seu direito, com o objetivo de macular ou denegrir a imagem da recorrente, fato que transforma a conduta da reclamada em ato ilícito, o que ficou demonstrado nos autos do Termo Circunstanciado de Ocorrência que averiguou a prática de abuso de autoridade da reclamada, a qual se utilizou de sua função pública de policial civil para investigar assuntos particulares”, afirmou a relatora em seu voto.
Os desembargadores consideraram que a reclamada abusou de seu direito de cidadã quando se utilizou de sua função pública para investigar assuntos particulares dos quais deveria se afastar exatamente em virtude do seu impedimento/suspeição.
Dano material
Por fim, a Turma Recursal manteve a extinção sem exame de mérito do pedido de indenização por danos materiais formulado pela reclamante.
A relatora explicou que o prejuízo material comprovado nos autos refere-se ao valor pago à irmã da reclamada, conforme comprovantes de transferência bancária anexados aos autos. Por este motivo, é incabível na ação trabalhista tal pedido indenizatório, pois não foi a empregadora quem recebeu o pagamento.