Os 65 bispos e 2 administradores apostólicos das dioceses da Amazônia brasileira, que abrangem seis setores do episcopado, divulgaram semana passada, dia 4, nota exigindo dos governos federal e estaduais mais atenção no combate à expansão do novo coronavírus entre indígenas, quilombolas e outras comunidades na região.
A nota afirma que a Amazônia sofre no interior a mesma catástrofe que se vive nas cidades, como Manaus e Belém. “Os dados são alarmantes: a região possui a menor proporção de hospitais do país, de baixa e alta complexidades (apenas 10%). Extensas áreas do território amazônico não dispõem de leitos de UTI e apenas poucos municípios atendem aos requisitos mínimos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em número de leitos e de UTIs por habitante (10 leitos de UTI por 100 mil usuários).”
E o texto continua. “A garimpagem, a mineração e o desmatamento para o monocultivo de soja e para exportação vêm aumentando assustadoramente nos últimos anos. De acordo com o sistema Deter-B, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na floresta Amazônica cresceu 29,9% em março de 2020, se comparado ao mesmo mês do ano passado. Contribuem para esse crescimento o notório afrouxamento das fiscalizações e o contínuo discurso político do governo federal contra a proteção ambiental e as áreas indígenas protegidas pela Constituição Federal (Art. 231 e 232).
O coronavírus que nos assola agora e a crise socioambiental já fazem vislumbrar uma imensa tragédia humanitária causada por um colapso estrutural. Com a Amazônia cada vez mais arrasada, sucessivas pandemias ainda virão.”
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A nota também destaca o aumento da violência no campo. “Preocupa-nos imensamente o aumento da violência no campo, 23% a mais que em 2018. No ano de 2019, segundo dados do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2019, da Comissão Pastoral da Terra (CPT Nacional), 84% dos assassinatos (27 de 32) e 73% das tentativas de assassinato (22 de 30) aconteceram na Amazônia. Causas do aumento da violência no campo e do desmatamento da floresta amazônica são sem dúvida a extinção, sucateamento, desestruturação financeira e a instrumentalização política de órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e de órgãos de fiscalização e de controle agrícola, ambiental e trabalhista. Inquieta-nos também a militarização do Conselho Nacional da Amazônia Legal, conforme Decreto nº 10.239, de 11 de fevereiro de 2020, formado somente pelo governo federal, sem a participação dos estados, dos municípios, nem da sociedade civil, e a sua transferência do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência da República.”
Na nota, os membros da igreja pedem medidas mais restritivas de acesso a territórios indígenas em função do risco de transmissão. “Nós, bispos da Amazônia brasileira que assinamos esta nota, convocamos a Igreja e toda a Sociedade para exigir medidas urgentes do Governo Federal, do Congresso Nacional, dos Governos Estaduais e das Assembleias Legislativas, a fim de: salvar vidas humanas, reconstruir comunidades e relações por meio do fortalecimento de políticas públicas, em especial do Sistema Único de Saúde (SUS); repudiar discursos que desqualificam e desacreditam a eficácia das estratégias científicas; adotar medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas, em função do risco de transmissão do novo coronavírus, exceto para os profissionais dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI); realizar testagem na população indígena para adotar as necessárias medidas de isolamento e evitar a disseminação da covid-19.”
“A Igreja na Amazônia, após um rico processo de escuta para a realização da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, está atenta a estes cenários e exige, ecoando os gritos dos Pobres e da Terra, que sejam tomadas medidas urgentes para barrar atividades predatórias e, ao mesmo tempo, investir esforços em alternativas à falida proposta de progresso e desenvolvimento que destroem a Amazônia e atentam contra a vida de seus povos”.
Apoio da igreja de outras regiões
O arcebispo de Belo Horizonte e presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo, se manifestou sobre a nota dos bispos.
“Em profunda comunhão com os bispos da Amazônia – em nota sobre a Situação dos Povos e da Floresta em Tempos de Pandemia da Covid-19 – , a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reitera pedido às autoridades que concentrem esforços no enfrentamento da covid-19, especialmente com políticas públicas destinadas aos mais pobres e vulneráveis. Surpreende-nos que, enquanto a região amazônica e tantos outros lugares sofrem com o colapso do sistema público de saúde, sejam realizadas manifestações contra a ordem democrática. O caminho deve ser sempre o do diálogo, do entendimento, da união de esforços para debelar essa pandemia.”
Dom Cláudio Hummes, cardeal arcebispo emérito de São Paulo e presidente da Comissão Episcopal da Amazônia, da CNBB, afirma que o governo que não se abre ao diálogo tem de ser pressionado pela sociedade. “Essa nota dos bispos é brasileira e deverá ser reforçada por uma nota dos outros nove países que fazem parte da Amazônia”, informou. O cardeal visitou 38 dioceses e prelazias da região para contatos com indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas.
Veja as reinvidicações feitas na nota
– Salvar vidas humanas, reconstruir comunidades e relações por meio do fortalecimento de políticas públicas, em especial do Sistema Único de Saúde (SUS);
– Repudiar discursos que desqualificam e desacreditam a eficácia das estratégias científicas;
– Adotar medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas, em função do risco de transmissão do novo coronavírus, exceto para os profissionais dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI);
– Realizar testagem na população indígena para adotar as necessárias medidas de isolamento e evitar a disseminação da covid-19;
– Fornecer os equipamentos de proteção individual (EPI) recomendados pela Organização Mundial de Saúde, em quantidade adequada e com instruções de uso e descarte corretos;
– Proteger os profissionais de saúde que estão atuando nas frentes da saúde dos povos, acompanhando-os também nas suas fragilidades psicológicas e físicas;
– Garantir a segurança alimentar dos núcleos familiares indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais populações tradicionais da Amazônia;
– Fortalecer as medidas de fiscalização contra o desmatamento, mineração e garimpo, sobretudo em terras indígenas e tradicionais e áreas de proteção ambiental;
– Garantir a participação da sociedade civil, movimentos sociais e de representantes das populações tradicionais nos espaços de deliberações políticas;
– Rejeitar a Medida Provisória 910/2019, que propõe uma nova regularização fundiária no Brasil, pois ela elimina a reforma agrária, a regularização de territórios dos povos originários e tradicionais, favorece a grilagem de terras, o desmatamento e os empreendimentos predatórios, regulariza as ocupações ilegais feitas pelo agronegócio, promove a liquidação de terras públicas da União a preços irrisórios e autoriza a aquisição de terras pelo capital estrangeiro, a exploração especulativa de florestas e incentiva a invasão e devastação de terras indígenas e territórios tradicionais;
– Rejeitar o PL 191/2020 que regulamenta o Artigo 176,1 e o Artigo 231,3 da Constituição Federal estabelecendo as condições específicas para a realização de pesquisa e lavra dos recursos minerais e hídricos em terras indígenas;
– Revogar o Decreto nº 10.239/2020, voltando o Conselho Nacional da Amazônia Legal para o Ministério do Meio Ambiente, com a participação de representantes da FUNAI e do IBAMA e de outras organizações da sociedade civil, indígenas ou indigenistas como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atuam na Amazônia;
– Revogar a Instrução Normativa 09/2020 da FUNAI, que permite que a invasão, exploração e até comercialização em terras indígenas ainda não homologadas.