Itália se prepara para eleger presidente de olho em risco para governo do premiê

Sergio Mattarella
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Depois de um ano de relativa calmaria, a política italiana se prepara para dias agitados. Na próxima segunda-feira (24), está marcado o início da eleição do 13º presidente da República, em substituição a Sergio Mattarella, 80, cujo mandato de sete anos chega ao fim no dia 3 de fevereiro.

O resultado é imprevisível, seja porque a escolha —realizada pelo Parlamento e por representantes estaduais— passa pela fragmentação do sistema partidário italiano, seja porque as regras da votação propiciam situações inesperadas. Para começar, não existem pré-candidaturas. Os 1.009 “grandes eleitores”, como são chamados os deputados, senadores e delegados regionais, podem escolher qualquer cidadão italiano com 50 anos completos e que goze dos direitos políticos e civis.

Para o voto secreto, cada um recebe uma cédula em branco, na qual pode escrever o que quiser —inclusive piadinhas. Todas elas depois serão lidas em voz alta no plenário pelo presidente da Câmara, responsável pela apuração.

Sai vencedor o nome que obtiver dois terços dos votos (673). Se ninguém conseguir a marca até o terceiro escrutínio, a partir do quarto passa a valer a maioria absoluta (505). Não há limite para o número de votações; em 1971, por exemplo, foram necessárias 23 delas para a eleição do presidente Giovanni Leone, o recorde até hoje. Em geral, acontece uma sessão por dia.

“O voto para o presidente da República é tipo um conclave para a escolha do papa, porque não tem uma lista de candidatos e é possível escolher qualquer um, com requisitos muito abertos”, diz Alfonso Celotto, professor de direito constitucional da Universidade Roma Tre. “Os partidos até indicam seus nomes, mas, sendo o voto secreto, muito frequentemente esses nomes não são eleitos.”

O especialista lembra que, em 2015, Mattarella saiu vencedor, surpreendentemente, na quarta votação, sem que seu nome tivesse feito parte das especulações públicas nas semanas precedentes.

Se o clima de surpresa permanece, não se pode dizer o mesmo da situação dos partidos. “É uma eleição muito mais complicada do que a anterior. Há sete anos, havia uma sigla dominante, o Partido Democrático, que tinha, com seus aliados, a maioria dos votos e podia decidir independentemente”, avalia o cientista político Piero Ignazi, professor da Universidade de Bolonha.

“Hoje, existem dois lados quase equivalentes, esquerda e direita, e nenhum deles tem votos para eleger autonomamente o seu candidato. E são muitos os deputados que estão no centro e podem determinar a escolha em uma direção ou em outra.” Segundo projeções do jornal Corriere della Sera, o bloco de centro-direita somaria 450 votos, e o de centro-esquerda, 420.

Foi justamente essa fragmentação que levou o economista Mario Draghi, 74, ao cargo de primeiro-ministro, em fevereiro de 2021. Sem partido, ele foi indicado por Mattarella depois que Giuseppe Conte viu seu segundo governo ruir, devido à saída de um partido nanico da maioria que o sustentava no Parlamento.

Com a missão de conduzir a campanha de vacinação contra a Covid-19, que até então patinava, e principalmente o plano de recuperação econômica da pandemia, com recursos da União Europeia, o ex-presidente do Banco Central Europeu formou —e conseguiu manter— uma ampla coalizão, da direita à esquerda, com exceção apenas do partido Irmãos da Itália, de ultradireita.

Um ano depois, o país conta com 80% da população total vacinada (45% também já tomaram a dose de reforço), e a estimativa é que o PIB tenha crescido 6,3% em 2021. Em dezembro, a Itália foi escolhida pela revista The Economist como o país do ano.

Por tudo isso, o nome de Draghi circula como um dos mais adequados para ocupar o Palácio do Quirinal, como é chamada a residência do presidente da República. O principal compromisso do futuro eleito será continuar propiciando as condições que levem à saída da crise sanitária e econômica. Ao trocar o posto de primeiro-ministro pelo de presidente —de chefe de governo pelo de chefe de Estado—, seus poderes passariam a incidir sobre o Legislativo e o Judiciário, além do Executivo.

“A Presidência da República italiana é um poder de garantia que faz a interlocução, colabora e controla os três Poderes tradicionais. Acima de tudo, tem duas funções importantíssimas: a nomeação do premiê e de seus ministros e uma eventual dissolução antecipada do Parlamento”, explica Celotto. Por isso, diferentemente de outras democracias parlamentaristas, em que o cargo é mais institucional, no país seu ocupante não pode ser considerado uma “rainha da Inglaterra”.

Draghi, que, apesar do perfil discreto e de ter vetado perguntas sobre o Quirinal em sua última entrevista a jornalistas, convocada há uma semana para falar da pandemia, sinalizou disponibilidade para o cargo, ao dizer, em dezembro, que é “um homem, um avô, a serviço das instituições”.

Caso isso aconteça, será a primeira vez na história da República italiana, nascida em 1946, que um primeiro-ministro se tornará presidente. “Se Draghi for eleito, ele tem que se demitir do cargo, porque o posto de presidente é incompatível com qualquer outro. Em seguida, inacreditavelmente, ele mesmo deve indicar um novo primeiro-ministro para formar o novo governo.”

Esse nome conduziria o Executivo até o fim desta legislatura, em 2023. Se o eventual futuro premiê não conseguir obter o apoio de uma maioria no Parlamento, é possível que haja a necessidade da convocação de eleições antecipadas. Mas esse cenário parece pouco provável, porque, a partir da próxima eleição legislativa, graças a uma reforma aprovada em referendo de 2020, as vagas no Parlamento terão um corte de 345 cadeiras —e nenhum partido parece interessado em correr esse risco.

Por essas e outras, há quem defenda a continuidade de Mattarella no cargo, e, consequentemente, a de Draghi como premiê. A Constituição não veta a reeleição do presidente, mas o desfecho é considerado excepcional e só aconteceu uma vez, em 2013. Na ocasião, Giorgio Napolitano aceitou a recondução para estabilizar a política depois da eleição de Matteo Renzi como premiê, mas se demitiu dois anos depois, aos 89 anos, alegando dificuldades por causa da idade e a vontade de ficar com a família.

“Confirmar Mattarella no cargo significaria não mexer em nada, a solução mais simples. Mas não seria oportuno nem elegante, numa democracia, um presidente ficar por 14 anos no cargo sem alternância”, afirma Celotto.

Ex-juiz constitucional e ministro em três ocasiões entre 1987 e 2001, Mattarella termina seu mandato com incomum aprovação entre os partidos e a opinião pública. “É um dos presidentes de maior consenso. Demonstrou grande equilíbrio, capacidade de diálogo com todos, intervenções sempre sob medida e enorme respeito pelas prerrogativas constitucionais do cargo”, avalia o cientista político Ignazi.

O próprio, porém, já disse explicitamente não estar disponível para um segundo mandato, o que, no entanto, não impediria que ele fosse escolhido pelo Parlamento —nunca um eleito recusou assumir a Presidência italiana.

Por outro lado, quem já anunciou sua candidatura e faz as contas dos possíveis votos é Silvio Berlusconi, do partido Força Itália, de centro-direita. Aos 85 anos, alvo de mais de 30 processos na Justiça, incluindo um pelo crime de prostituição infantil (absolvido) e outro por fraude fiscal (condenado), Berlusconi foi publicamente apoiado por outros dois líderes da direita, Matteo Salvini (Liga) e Giorgia Meloni (Irmãos da Itália), na última sexta (14).

A movimentação, porém, tem sido vista como uma espécie de homenagem aos últimos momentos da carreira política dele, ex-primeiro-ministro por quatro vezes. “Não vejo Berlusconi como possibilidade concreta por muitas razões. Além de ter um perfil divisivo, tem uma condenação por crimes fiscais e um comportamento na esfera privada totalmente inapropriado para um papel institucional”, diz Ignazi.

A semana que começa promete ser, entre os líderes partidários, de cálculos táticos e tentativas de consolidar, nos bastidores, candidatos para o dia 24. Além desses três nomes —Draghi, Mattarella e Berlusconi—, o jornal La Repubblica listou outros nove possíveis, incluindo três mulheres.

Para além das torcidas e preferências pessoais, ninguém arrisca dizer qual será o resultado. “A esse ponto, é como prever quem vai ganhar a Copa do Mundo, seria necessário um adivinho. As eleições para presidente da Itália são cheias de surpresa, e esses certamente serão dias emocionantes.”

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COMO É A ELEIÇÃO NA ITÁLIA

PLEITO INDIRETO

Parlamentares e representantes dos estados se reunirão para eleger o 13º presidente da República da Itália, que tem mandato de sete anos

QUANTOS E QUANDO

Chamados de “grandes eleitores”, deputados (630), senadores (321) e representantes regionais (58) somam 1.009 votos. A primeira sessão de votação está marcada para o dia 24 de janeiro, na Câmara

QUEM CONCORRE

Não há uma lista de pré-candidatos. Os “grandes eleitores” recebem uma cédula em branco e podem indicar, escrevendo à mão, qualquer cidadão italiano com 50 anos completos e direitos civis e políticos

QUEM GANHA

Pela Constituição, vence quem obtiver dois terços dos votos (se 1.009 presentes, 673 votos). A partir da quarta votação, a maioria necessária passa a ser absoluta (se 1.009, 505 votos). A votação é repetida sem limite, até que um nome atinja a quantidade mínima exigida de votos. Em geral, cada sessão acontece em um dia. Em 1971, foram necessárias 23 votações para eleger o presidente

O CARGO

O presidente da República da Itália é o chefe de Estado e representa a unidade nacional. Entre suas atribuições mais importantes estão a de dissolver o Par

 

 

Folha*

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