O MPF (Ministério Público Federal) deu dez dias para que o MEC (Ministério da Educação) cancele a nota oficial divulgada na qual o órgão diz que professores, pais e responsáveis de alunos não poderiam divulgar informações sobre as manifestações que ocorreram em pelo menos 24 estados e no Distrito Federal contra a política educacional do governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Para o órgão, a nota foi inconstitucional e em meio aos protestos de estudantes em diversos estados, o MEC emitiu uma nota oficial dizendo que pais e responsáveis de alunos não estariam autorizados a divulgar informações ou estimular a participação às manifestações.
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil público para apurar eventuais irregularidades na medida. À noite, a Procuradoria Regional e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, com sede em Brasília, enviaram uma recomendação conjunta ao MEC.
Além de pedir o cancelamento da nota, o MPF quer que o MEC se abstenha de cercear a liberdade de manifestação e a “divulgação do pensamento” de professores, servidores, estudantes, pais e responsáveis em unidades de ensino, sejam elas públicas ou privadas. O MPF pede ainda uma retratação do MEC em relação à nota divulgada ontem.
No documento, o procurador da República Enrico Rodrigues de Freitas e a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat afirmam que a divulgação da nota “fere frontalmente” a Constituição Federal.
A recomendação diz que a Constituição Federal prevê a liberdade de reunião e qualquer tentativa de impor obstáculos a esse direito é uma violação à legislação. “Qualquer tentativa de obstar a abordagem, a análise, a discussão ou o debate acerca de quaisquer concepções filosóficas, políticas, religiosas, ou mesmo ideológicas, inclusive no que se refere à participação de integrantes da comunidade escolar em atos públicos –o que não se confunde com propaganda político-partidária–, desde que não configurem condutas ilícitas ou efetiva incitação ou apologia a práticas ilegais, representa flagrante violação aos princípios e normas acima referidos”, diz um trecho da recomendação.
Os procuradores disseram ainda que a nota violaria o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), uma vez que a lei prevê o direito aos jovens à liberdade de expressão e à participação na vida política. O texto também diz que a nota, ao proibir professores de divulgar informações sobre as manifestações, estaria violando a autonomia de ensino prevista em lei. Os procuradores alertaram que esse tipo de prática poderia abrir espaço para a “censura”.
“A quebra de autonomia de ensino abre o espaço para a prática da ‘censura de natureza política, ideológica’, em especial silenciamento de vozes que divirjam do governo”, diz o documento. A recomendação diz ainda que, se o MEC não acatar às orientações do MPF em dez dias ou não oferecer justificativas fundamentadas para não cancelar a nota, o órgão poderá adotar outras medidas judiciais.
O que diz o MEC
O MEC informou que ainda não foi notificado da ação e aguarda para ter acesso ao conteúdo do processo. Disse que “a nota respeita fielmente a Constituição e teve o específico propósito de alertar para ‘eventual’ uso indevido de instituições públicas fora das suas finalidades legais para atender interesse ou ideologia pessoal”.
“Não teve a pretensão de cercear a livre manifestação de ideias e pensamentos de particulares, mas tão só evitar que agentes e equipamentos públicos fossem usados durante o expediente escolar para incitar ou promover evasão da aula e atividade alheia às suas funções.” Diz ainda o comunicado que “o MEC não proíbe pais e alunos de divulgar protestos”.
“Esse tipo de comportamento se insere na liberdade individual das pessoas, desde que não interfira no bom e fiel cumprimento da missão funcional das instituições públicas de ensino.” Nos últimos dias, o MEC tem recebido denúncias via redes sociais e pelo sistema e-Ouv. Segundo a instituição, de quarta-feira (29) até a manhã de sexta-feira (31), a Ouvidoria já registrou 439 manifestações.
Dessas, 212 foram triadas e 190 continham referência aos atos do dia 30. “A Ouvidoria irá analisar cada caso e encaminhar para os órgãos de investigação competentes.” “O MEC esclarece que nenhuma instituição de ensino pública tem prerrogativa legal para incentivar movimentos político-partidários e promover a participação de alunos em manifestações”, prossegui o comunicado. “Qualquer ato nas dependências das instituições de ensino durante o expediente escolar que use o equipamento público educacional com esse intuito constitui ilícito desvio de finalidade, passível de apuração pelos órgãos competentes.
É direito de todos e dever do Estado assegurar o uso correto dos bens e recursos públicos na finalidade educacional para a qual são destinados, sob pena de violação à própria Constituição da República (art. 37 e outros).”
*UOL