O garimpo envolve toda atividade que extrai de forma manual ou mecanizada recursos minerais, metais e pedras preciosas de veios naturais. O professor Marco Antônio Domingues Teixeira, 61 anos, doutor em Ciências Socioambientais pela Universidade Federal do Pará (UFPA), explica que esse tipo de extração “pode ser feita em lavras e veios, fundos de rios e barrancas”. Ele afirma que “a prática tem sido feita a céu aberto e de forma precária, trazendo enormes danos ambientais, sociais e humanos”.
Por mais que seja uma prática normalizada pelo Governo Federal, a atividade de garimpo é, na maioria das vezes, realizada de forma independente e ilegal. Dessa maneira, não há controle algum, somam-se os danos ambientais e os riscos à saúde dos próprios garimpeiros na área onde é praticado. Os negócios com o garimpo ilegal representam aproximadamente 4% do Produto Interno Bruto (PIB), o que corresponde a R$ 70 milhões/ano.
Em junho deste ano, uma nova ferramenta desenvolvida pelo Ministério Público Federal (MPF), em parceria com a organização CFS-Brasil (Conservação Estratégica), entrou em ação na batalha contra os garimpos ilegais. Trata-se da “Calculadora de Impactos do Garimpo Ilegal de Ouro”, que registrou cerca de R$ 2 milhões em danos ambientais e sociais causados pela extração ilegal de 1kg de ouro na Amazônia e R$ 600 milhões em danos gerados pelo garimpo ilegal na terra indígena Yanomami. A ferramenta também aponta que as extrações irregulares chegaram a R$ 5,4 bilhões na bacia do rio Tapajós, que representa 10% da Amazônia Legal.
Marco Antônio, que atua no Departamentos de História da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), concedeu uma entrevista mais detalhada para tratar dessa problemática ambiental.
O que diferencia o ‘Garimpo Legal’ do ‘Garimpo Ilegal’?
Marco Antônio: O Garimpo Legal é aquele que é autorizado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e pelos órgãos ambientais. Seus trabalhadores seguem as normas trabalhistas e de proteção pessoal, ambiental e social. Já a maioria das atividades de garimpagem que ocorrem na Amazônia é realizada ilegalmente, sem autorização dos órgãos responsáveis, sem nenhum tipo de controle ou taxação da produção realizada; causa dano imediato e outros duradouros para o ambiente, para as pessoas e para a sociedade. Sua prática vincula-se a todo tipo de crime, desde a prostituição, o tráfico de pessoas e drogas, até mesmo assassinatos.
A que riscos à saúde dos garimpeiros está exposta?
Marco Antônio: A contaminação por metais pesados usados para separar o ouro da areia e das rochas causa doenças hepáticas, câncer e outros problemas nos rins, problemas cardiovasculares etc. A falta de controle sanitário nos garimpos aumenta, expressivamente, a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis e outras doenças de fácil transmissão, especialmente a malária, a dengue e, atualmente, a Covid-19.
Também foram identificados problemas respiratórios, por conta de imersão e emersão fora dos tempos cronometrados, problemas dentários, lesões endovenosas, doença da descompressão, envenenamentos, verminoses e doenças infectocontagiosas em geral.
Quais são as mudanças perceptíveis na paisagem em locais onde existem ou existiram garimpo?
Marco Antônio: A paisagem do garimpo permanece como paisagem de terra arrasada, com grandes crateras, rios contaminados com o despejo de óleo, metais pesados, desbarrancamentos anormais, destruição da vegetação nativa, exploração e devastação da fauna terrestre e aquática. Abandono do lugar sem compensação ou reversão dos danos ambientais.
Essa prática prejudica a fauna local? De que forma?
Marco Antônio: Muito. Peixes e animais que se alimentam deles são muito afetados pelos metais pesados, além das árvores ribeirinhas e seus frutos que acabam atingindo a fauna que a consome. Por sua vez, a água e o alimento contaminados seguem devastando também as populações ribeirinhas.
Outra prática perniciosa é a introdução de animais domésticos ou exóticos nos garimpos e, por fim, a caça ilegal associada ao esporte, ao prazer, à alimentação e, ainda, ao tráfico de animais.
Como o garimpo pode prejudicar os indígenas e suas terras?
Marco Antônio: Basta lembrarmos o ‘massacre do Paralelo 11’, quando, na década de 1960, garimpeiros de Rondônia, juntamente com funcionários do antigo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), hoje Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mataram, em uma única noite, 3.500 Indígenas Cintas-largas, para se apropriarem de suas terras ricas em diamantes. Há ainda a prática de viciar os indígenas para que trabalhem em troca de bebidas ou drogas, além da transmissão consciente e inconsciente de doenças sexualmente transmissíveis, sobretudo sífilis e HIV. Transmissão planejada de doenças infectocontagiosa, como doenças pulmonares, catapora, sarampo, e outras, a fim de extinguir populações locais. Estímulo à prostituição de indígenas de ambos os sexos, sobretudo os mais jovens e as crianças. Perda da identidade cultural, perda da religiosidade original, exposição à pregação religiosa com fins de direcionar a atividade de garimpagem, tráfico de meninas, miscigenação étnica, com elevado número de jovens indígenas grávidas de pais garimpeiros, desterritorialização, locomoção forçada de grupos inteiros de indígenas, assassinatos, destruição do habitat, envenenamento das águas e da fauna.