Até a descoberta do sapinho, todas as espécies do gênero Amazophrynella tinham um único canto de anúncio descrito. A descoberta da espécie com dois tipos distintos foi inédita para o gênero e é considerada bastante incomum entre os anuros
O conhecimento dos pesquisadores em campo e o uso de técnicas modernas da ciência permitiram a descoberta de uma nova espécie de anfíbio da Amazônia, o sapinho Amazophrynella bilinguis. Cada sapinho vocaliza um som próprio, o qual os biólogos chamam de canto de anúncio. A nova espécie emite dois sons bem distintos, por isso a referência no nome bilinguis. Estes sapinhos alternam o tempo todo entre os dois cantos, em alguns momentos se confundido com os sons emitidos por pequenos grilos.
A descoberta foi publicada recentemente na revista Zootaxa. O sapinho de menos de dois centímetros e de cor marrom foi encontrado na região de Santarém (PA), em 2012, pelo biólogo Igor Kaefer quando era estudante de doutorado em ecologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) e sua orientadora, a pesquisadora do Inpa, Albertina Lima. A pesquisadora é uma referência no estudo de anuros (ordem de animais pertencentes à classe dos anfíbios, que inclui sapos, rãs e pererecas) da região.
Logo que entrou na floresta (Fazenda Taperinha, na margem sul do rio Amazonas, a 80 quilômetros do centro de Santarém), Kaefer ouviu dois sons e pensou que fossem duas espécies. “Chamei minha orientadora e ela disse: é o mesmo bicho. Isso é novo”. A partir de então, os pesquisadores realizaram análises morfológicas, acústicas e genéticas para descrever formalmente a espécie.
“Até a nossa descoberta, todas as espécies descritas do gênero Amazophrynella tinham um único canto, por isso a descoberta de um deles com dois tipos de canto distintos foi inédita para esse gênero”, contou Albertina Lima. “Se isso é raro é outra questão. A Amazônia é muito biodiversa e a maioria das espécies de Amazophrynella não tem o canto descrito, e os poucos que têm o canto descrito só cantam um tipo, e nós descobrimos um com dois tipos de canto”, completou Albertina, que junto com sua equipe já descreveu dezenas de espécies de anuros da Amazônia.
Foram sete anos da descoberta até a descrição, em função do volume de estudos simultâneos em andamento e do fato de que a descrição formal de uma espécie em uma revista de taxonomia requerer a análise de muitas classes de informações, como cores, sons, formas e genes.
Segundo Kaefer, a vocalização dos sapos exerce várias funções, como defesa de território e de predadores e a atração de parceiros para reprodução. “O papel dos dois tipos de vocalização de anúncio do novo sapinho permanece um mistério para nós e deverá ser objeto de estudos futuros”, adiantou Kaefer, que atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e orienta mestrandos e doutorandos da Ufam e do Inpa, nas áreas de zoologia e ecologia.
Existem, aproximadamente, oito mil espécies de anfíbios registradas no mundo, mais de 1.100 no Brasil e mais de 350 na Amazônia brasileira. Os números aumentam constantemente em uma taxa altíssima, revelando o quanto ainda se desconhece sobre a diversidade de espécies de países megadiversos como o Brasil. “Esse aumento se deve a dois motivos principais: amostragens em lugares pouco amostrados e a disponibilidade de técnicas como bioacústica e genética molecular”, explicou Kaefer.
Na natureza, os anfíbios desempenham papeis muito importantes como elos fundamentais de teias alimentares, indicadores da integridade de ambientes e fornecedores de compostos que podem ser utilizados na indústria farmacêutica. Para o professor, independentemente do papel ecossistêmico ou utilidade ao homem, a diversidade biológica é um patrimônio nacional e devemos conhecê-la.
Além de Kaefer e Lima, também são autores do artigo os pesquisadores Rommel Rojas, Miquéias Ferrão e Izeni Farias.
*INPA