Apontado como uma organização criminosa que explora garimpos na Terra Indígena Yanomami, o grupo do empresário Rodrigo Martins de Mello fez uso de uma licença irregular e com “inconsistências graves” para justificar a exploração de minérios, apontam investigação da Polícia Federal e denúncia do MPF (Ministério Público Federal) em Roraima. As informações são da reportagem feita pela Folha.
O documento se refere a uma área sem aparência de mineração, fora da terra indígena, e buscou dar aparência de legalidade a garimpos de ouro e cassiterita no território yanomami, segundo PF e MPF.
Mello, conhecido como Rodrigo Cataratas, foi denunciado pela Procuradoria por suspeita de ser o líder de uma organização criminosa que explora o garimpo ilegal na área yanomami. A denúncia é de 8 de novembro e se deu no âmbito de um processo mantido em sigilo na Justiça Federal.
A acusação inclui Mello, um filho, uma irmã, outras duas pessoas e uma empresa do grupo.
O empresário foi candidato a deputado federal pelo PL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, e acabou derrotado nas urnas. Ele lidera um movimento pró-garimpo em Roraima.
A Procuradoria afirma que o grupo de Mello chegou a usar 23 helicópteros e operou com “poderosa engrenagem logística e econômica” em garimpos no território tradicional. Na terra indígena estão cerca de 20 mil garimpeiros invasores, segundo associações de indígenas.
Para justificar as atividades mineradoras, Mello afirma ter as licenças necessárias à atividade. É o mesmo argumento do filho dele, Celso Rodrigo de Mello, que chegou a ser preso pela PF e foi solto após apresentar cópia da licença de operação número 14/19, de 28 de maio de 2020, expedida pela Femarh.
PF e Procuradoria, porém, apontam irregularidades na licença usada para tentar legitimar as atividades.
A defesa de Mello e familiares disse, em nota, que os clientes não foram citados pela Justiça e que não teve acesso ao teor da denúncia.
“Segue em curso uma perseguição institucional a Rodrigo e seus familiares, por conta daquilo que insistem em fazer vistas grossas, ou seja, das descobertas graves que promovem questionamentos à idoneidade das investigações, aos atos de alguns servidores públicos e da autoridade que conduziu a investigação”, afirmou a advogada Ana Paula de Souza Cruz.
O presidente da Femarh, Glicério Fernandes, afirmou à Folha que a licença foi suspensa após constatação de desmatamento fora do polígono autorizado. “Ele foi multado e a área, embargada”, disse.
Segundo Fernandes, uma averiguação no local pode levar à revogação definitiva da licença se ficar constatado que a área não é a utilizada. Eventuais inconsistências devem ser apuradas pela PF, conforme o presidente do órgão de Roraima.
Segundo a denúncia, o grupo atuou com exploração de ouro e cassiterita da terra indígena pelo menos entre janeiro de 2018 e agosto de 2021.
A autorização diz respeito a extração de diamante, ouro e cassiterita em Amajari, a 155 km da capital Boa Vista. A ANM (Agência Nacional de Mineração) aprovou apenas em agosto deste ano a inclusão de cassiterita na permissão de lavra garimpeira, conforme o MPF.
“A anuência estatal, ainda que regular fosse, não teria efeito retrospectivo e, portanto, não legitimaria atos ilícitos anteriormente praticados”, diz a denúncia.
Segundo análise feita pela PF, a licença está na terceira alteração, sendo a última em julho, para inclusão da possibilidade de exploração de cassiterita.
Os policiais apontaram inconsistências na data disposta antes das assinaturas do documento. A data -28 de maio de 2020- seria incompatível com outras referências temporais presentes na licença.
Outra inconsistência, segundo a polícia, é em relação à assinatura do presidente da Femarh, nomeado para o cargo em 2021, conforme a investigação.
A PF não localizou um parecer do controle interno citado no processo da autorização e afirmou ter havido repasses de recursos do grupo à conta pessoal de servidora da área na Femarh em 2021. A servidora diz que se trata de honorários a escritório de advocacia por serviços prestados a Mello.
A cessão total de direito a Mello, referente à permissão de lavra garimpeira, foi publicada no Diário Oficial da União em julho de 2022, conforme as investigações. No polígono para lavra, “não foram visualizados sinais de intervenção humana entre janeiro de 2020 e janeiro de 2022 que indicassem a extração de minério”, conforme análise da polícia.
Já registros de GPS de helicóptero do grupo, planilhas ocultas, vídeos e mensagens telefônicas mostram inúmeros voos ao território yanomami, segundo as investigações.
A defesa de Mello disse que o empresário já provou que o empresário não extrai minério da Terra Indígena Yanomami e tem licenças minerárias em Roraima, Rondônia e Pará.
“A cassiterita objeto de comercialização de sua atividade foi produto mineral extraído em Rondônia, conforme notas fiscais já anexadas ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região”, afirmou.
“Todos os demais detalhes defensivos serão abordados quando e se seus clientes forem citados, o que será um alívio, pois finalmente terão a chance de se defender nos autos, onde a defesa deve, pela lei, ser promovida”, disse a advogada Ana Paula Cruz.